Na primeira parte da afronta transmitida ao vivo, o protagonista do espetáculo do deboche deixou claro que transforma até câncer em instrumento de caça ao voto. O relato da temporada no hospital foi enfeitado por um fundo musical de teatrão, mensagens açucaradas, cenas do filme “Lula, o Filho do Brasil”, depoimentos lacrimosos e reportagens pautadas pela sabujice. “Ele foi um grande presidente para nós brasileiros, que o adoramos, o amamos”, derramou-se, por exemplo, o ex-jogador Ronaldo. Há poucos anos, o Fenômeno aposentado só achava que “ele bebe pra caramba”.
Num dos vídeos que escancararam o crime premeditado, a locutora caprichou no fecho glorioso, ilustrado por imagens do herói que acabara de nocautear a doença: “Parecia a fênix renascendo das cinzas. O homem está de volta. E com a corda toda”. Ratinho deu-lhe mais corda ainda: por que a saúde não é tão boa?, quis saber o anfitrião da farra eleitoreira. Por culpa da oposição, garantiu Lula sem ficar ruborizado. Se o imposto do cheque não tivesse acabado, mentiu, os pacientes do Sírio Libanês hoje estariam morrendo de inveja dos fregueses do SUS.
Animado com a sintonia da dupla, Ratinho fez a proposta ao vivo: “Vamo montá um programa de entrevistas, Lula? Teve um monte de jornalista que bateu em você, vamo dá o troco neles”. O convidado gostou da ideia. ”Um dia desses vocês vão se surpriendê, que eu vou vir aqui trabalhá com o Ratinho”, ameaçou, olhando para a plateia. Foi a senha para o início da segunda parte do show repulsivo, concebida para resgatar Fernando Haddad do buraco dos 3% nas pesquisas.
“Por que você escolheu o Haddad?”, cochichou Ratinho. Close no ex-ministro da Educação, risonho na fila do gargarejo. “Acho que São Paulo precisa do Haddad”, comunicou o palanque ambulante. Outro close na salvação dos paulistanos. “Vem pra cá, Haddad”, ordenou Ratinho, que retomou o tema que o preocupa enquanto o candidato se ajeitava na poltrona: o que pode fazer um prefeito para melhorar a saúde?
“As coisas que dependem do ex-presidente Lula e da presidenta Dilma, que é gerar emprego e distribuição de renda, isso está sendo feito”, declamou Haddad. Na maior cidade brasileira, ensinou, a saúde só não é de primeiro mundo porque o prefeito é do PSD e o governador é do PSDB. O padrinho aparteou o afilhado para jurar que nunca antes neste país houve um ministro da Educação tão competente. Quem construiu uma escola por dia é capaz de inaugurar um hospital por mês já no primeiro ano de governo.
Liquidada a questão municipal, começou a sucessão presidencial. Lula será candidato em 2014?, passou a bola Ratinho. “A única hipótese de eu sê candidato é a Dilma não querê se candidatá, eu não vô deixá que um tucano dirija esse país”, devolveu Lula. “O Zé Serra tá ralado”, chutou Ratinho de bico. Só na prorrogação o apresentador pareceu lembrar que andou lendo alguma coisa sobre Lula e Gilmar Mendes. O que houve mesmo?, perguntou.
“Quem inventou a história que prove a história”, cortou o lobista dos mensaleiros. Ratinho completou de canela: “”Quem gosta de você, gosta de você. Quem não gosta de você, não gosta de você. Quem é indiferente, vai ser indiferente”. Tradução: quem tem chefe não pode deixar de aplaudi-lo mesmo que apareça nu no Parque do Ibirapuera, com uma carabina engatilhada e avisando aos berros que vai liquidar a tiros a herança maldita legada por FHC. Lula, é verdade, não fez isso. Fez coisas piores.
Num país sério, a dupla sairia algemada do SBT por determinação da Justiça eleitoral. Nestes trêfegos trópicos, o ex-presidente continua fazendo impunemente o que quer. A apresentação de Lula e Ratinho começou com todo mundo cantando o hino do Corinthians. Deveria terminar com a chegada de um batalhão da polícia. Como isto é o País do Carnaval, só não terminou com a entrada de um batalhão de mulatas por falha da produção.
Transcrito do Blog do Augusto Nunes
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